Uma onda de calor vem se propagando no Brasil, e uma das consequências para quem pedala é a queda de rendimento. Porém, existem estratégias para minimizar os efeitos do calor, como ingestão de água gelada, gelo antes da atividade física e também monitorar a desidratação.
O que acontece no nosso organismo quando treinamos no calor?
O exercício físico traz como consequência o aumento da temperatura corporal, pois com o aumento do metabolismo durante o exercício é produzido calor. Entretanto, nosso corpo “se esforça” para manter a sua temperatura em valores “normais”, próximos a 37° (Damatto et al, 2019). Ainda segundo Damatto et al (2019), o centro neural regulador da temperatura está localizado no hipotálamo anterior e recebe informação sobre a temperatura ambiente e sobre a temperatura interna, para aí organizar respostas apropriadas de geração ou dissipação de calor através da termorregulação.
Segundo Roelands et al (2013), o exercício em condições quentes geralmente induz hipertermia, aumento da temperatura central e da pele. Isso ocorre porque, durante a pratica do exercício no calor, a redistribuição do sangue do núcleo do corpo para a pele diminui o fluxo de sangue disponível. Se considerarmos que o ciclismo é um esporte de longa duração, realizado em estradas de asfalto ou de terra, o calor é ainda maior.
Quando praticamos uma atividade física no calor, a fadiga parece ocorrer após uma temperatura central / cerebral de aproximadamente 40,0° C. O aumento da fadiga nesta temperatura parece servir como um mecanismo de proteção, afim de evitar danos e limitando a produção de calor adicional. Sobre esse mecanismo de proteção, Cheung et al (2007) citam que o organismo humano possui dois sistemas de proteção: um antecipatório, para evitar o acúmulo excessivo de calor, e um mecanismo de feedback de segurança para encerrar o exercício antes do colapso catastrófico do sistema humano.
Altas temperatura e performance
Roelands et al (2013) citam que mesmo ciclistas treinados precisam de mais tempo para completar um contrarrelógio no calor em comparação com as condições de temperatura ambiente. Em 30° C, os ciclistas precisam de aproximadamente 7 minutos a mais de tempo para completar o mesmo contrarrelógio, só que em 18° C (Roelands et al, 2013).
Já Tucker et al (2004) realizaram um estudo aonde o objetivo foi determinar se o recrutamento muscular foi alterado durante um protocolo de ciclismo contrarrelógio de 20 km em ambientes QUENTES (35ºC) em comparação com ambientes FRIOS (15ºC). A temperatura retal aumentou significativamente em ambos os ambientes, atingindo valores máximos a 20 km de 39,2 +/- 0,2 graus em ambiente QUENTE e 38,8 +/- 0,1 graus em ambiente FRIO. As temperaturas centrais em todas as outras distâncias não foram diferentes entre as condições. Já com relação a potência muscular e a atividade do músculo quadríceps, os autores observaram que a atividade muscular começou a diminuir no início do teste em ambiente QUENTE, mesmo quando as temperaturas centrais, a frequência cardíaca e a percepção de esforço (PSE) eram semelhantes em ambos os ambientes. Já a produção de energia foi significativamente reduzida no ambiente QUENTE em comparação com o ambiente FRIO. O tempo para completar o teste foi maior (29.6±1.9 min) na condição QUENTE quando comparada com a condição FRIO (28.8±1.8 min).
A partir desse estudo podemos concluir que a redução da produção de energia e da atividade de iEMG durante o ambiente QUENTE ocorre antes que haja qualquer aumento anormal na temperatura retal, frequência cardíaca ou percepção de esforço. Esta adaptação parece fazer parte de uma resposta antecipatória que ajusta o recrutamento muscular e a produção de energia para reduzir a produção de calor, garantindo assim que a homeostase térmica seja mantida durante o exercício no calor.
Para complementar, Roelands et al (2013) demonstraram que a produção de potência em ciclistas treinados foi maior (270 watts) em dias de menor temperatura (18°) quando comparada com dias mais quentes (30°), aonde a potência pico não passou de 230 watts. Essa informação é fundamental para os ciclistas que usam potenciômetros, como os da Garmin, durante seus treinos
Seguindo essa linha de raciocínio, o exercício pode provocar estresse, e esse estresse pode ser acentuado pela desidratação, aumentando a temperatura corporal e podendo prejudicar a performance (Carvalho et al, 2013).
Desidratação e performance
Segundo Carvalho et al (2013), o estresse do exercício é maior quando estamos desidratados, além de aumentar a temperatura corporal, prejudicar algumas respostas fisiológicas, diminuir o desempenho físico e provocar riscos para a saúde. Ainda segundos os autores, estes efeitos podem ocorrer mesmo que a desidratação seja leve ou moderada, podendo se agravar à medida que a desidratação aumente.
Quando chegamos entre 1 a 2% de desidratação, ocorre o aumento da temperatura corporal em até 0,4°C para cada percentual subseqüente de desidratação (Carvalho et al, 2013). Ainda segundo os autores, em torno de 3%, há uma redução importante do desempenho, sendo agravada com 4 a 6%, aonde pode-se ocorrer fadiga térmica. A partir de 6% existe risco de choque térmico, coma e morte (Carvalho et al, 2013).
Em um estudo clássico, Walsh et al (1994). submeteram 6 ciclistas a um exercício em cicloergômetro a 70% do VO2máx durante 60 minutos, seguido por um teste de tempo até a exaustão a 90% do VO2máx em ambiente quente. Antes do teste até a exaustão, os participantes permaneceram desidratados (2% da massa corporal) ou ingeriram líquido em volume suficiente para repor as perdas de suor. A desidratação reduziu o rendimento no teste até a exaustão em 31%.

Sinais e Sintomas de Desidratação
É importante que sejam reconhecidos os sinais e sintomas da desidratação para que se possa traçar a melhor estratégia para minimizar os efeitos colaterais. Os principais sinais e sintomas da desidratação estão listados na figura 1.
Figura 1. principais sinais e sintomas da desidratação

Estratégias para diminuir os efeitos do calor
Reposição Hídrica
Quando praticamos uma atividade física em dias quentes, as perdas de água são grandes. Garantir que a reposição dos líquidos seja feita em volumes equivalentes às perdas de água impostas pela sudorese é benéfica para a termorregulação, Facilitando a troca de calor interna para o meio externo.
Excesso de hidratação
Esse é um dos muitos estudos que deixa claro a importância da hidratação para a performance. Entretanto, a ingestão excessiva de água deve ser evitada, pois pode causar problemas como desconforto gástrico e, em casos extremos, pode causar redução dos níveis sanguíneos de sódio (hiponatremia). Ou seja, se hidratar em cada ponto de hidratação durante uma prova, sem nenhum tipo de controle, pode não ser uma boa solução. Por isso é fundamental a “estratégia” de prova e de treino, alinhada pelo treinador e também pelo seu nutricionista.
Hidratação com água gelada
Alguns estudos testaram o potencial de pré-resfriamento de repositores hídricos com diferentes temperaturas na performance em testes contrarrelógio de ciclismo . Burdon et al (2010) investigaram os efeitos de soluções com diferentes temperaturas (2, 4, e 37 °C) sobre a performance em um teste contrarrelógio de 15 minutos em ambiente quente e úmidos (28° com 70% de umidade relativa). Houve uma redução de 0,5° durante o exercício com a solução de água fria comparada com a água quente, com um consequente aumento do trabalho total de 4,9%. Esses resultados corroboram o estudo de Byrne et al (2011), que realizou um teste contrarrelógio de 30 minutos a uma temperatura de 32 °C com 60% de umidade relativa. Houve uma redução da temperatura retal de 0,8 °C durante o exercício com a ingestão da solução fria em comparação à morna, com um aumento da potência média em 5,1%.
Ingestão de gelo
Todo mundo sofre com essa onda de calor, não é diferente com os atletas. Neste sentido, estratégias que diminuam os efeitos deletérios do calor são fundamentais, sendo que a ingestão de gelo no calor uma das estratégias que pode ajudar na sua performance em dias quentes.
Para validar essa informação, Zimmermann e colaboradores (2017) demonstraram que a ingestão de gelo moído 30 minutos antes de um protocolo de 60 minutos pedalando provocou uma melhor sensação térmica, menor taxa de suor durante os estágios iniciais do exercício, e maior eficiência física durante o ciclismo em decorrência do aumento da capacidade de armazenamento de calor.
Conclusão
O calor pode ser prejudicial para a performance de qualquer atleta. Saber como se prevenir dos possíveis problemas causados pelo calor é fundamental para que se consiga manter a performance. Se você quiser saber mais sobre como monitorar seus treinos considerando todas as variáveis que afetam o seu desempenho ou quer uma planilha de treino feita de acordo com seus objetivos, clique aqui!
Referencias Bibliográficas
Burdon C, O’Connor H, Gifford J, Shirreffs S, Chapman P, Johnson N. Effect of drink temperature on core temperature and endurance cycling performance in warm, humid conditions. J Sports Sci. 2010; 28: 1147-1156.
Byrne C, Owen C, Cosnefroy A, Lee JK. Self-paced exercise performance in the heat after pre-exercise cold-fluid ingestion. J Athl Train. 2011; 46: 592-599.
Cheung SS. Hyperthermia and voluntary exhaustion: integrating models and future challenges. Appl Physiol Nutr Metab. 2007; 32(4):808–17.
DAMATTO,, Ricardo Luiz; CEZAR,, Marcelo Diarcadia Mariano and SANTOS, Priscila Portugal dos. Controle da Temperatura Corporal durante o Exercício Físico. Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2019, vol.112, n.5 [cited 2020-09-25], pp.543-544
Tucker R, Rauch L, Harley YX, Noakes TD. Impaired exercise performance in the heat is associated with an anticipatory reduction in skeletal muscle recruitment. Pflugers Arch. 2004;448(4):422–30.
Walsh RM, Noakes TD, Hawley JA, Dennis SC. Impaired high-intensity cycling performance time at low levels of dehydration. Int J Sports Med. 1994; 15: 392-398.
Zimmermann M, Landers G, Wallman KE, Saldaris J. The Effects of Crushed Ice Ingestion Prior to Steady State Exercise in the Heat. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2017 Jun;27(3):220-227